30.8.12

Cultura e lazer no leste paulista

A 35ª semana Guiomar Novaes iniciar-se-á aqui em São João da Boa Vista, de 15 a 23 de setembro, com atividades culturais gratuitas. Dia 17: recital no Theatro, com Cláudio Richerme, 21 h. Nossa Orquestra Jazz Sinfônica fará concerto dia 19, no mesmo local e horário; assim como outras apresentações, sempre no Theatro e Fonteatro.

Em Mogi Mirim, teremos "Festival de teatro", de 13 a 22 de setembro (de quinta à domingo, 20 h). todas as apresentações são gratuitas.
Haverá também exposição de artes plásticas, de 1 a 26 de outubro. O festival de cinema acontecerá de 26 a 28 de outubro.

Em Jacutinga-MG, haverá encontro de jipeiros e afins em 13 e 14 de outubro, com percurso de nível médio de dificuldade.

Em Vargem Grande do Sul, haverá lazer e música no bosque, em 23/09, das 9 às 18 h, gratuitamente.

Em Aguaí haverá  apresentação folclórica de congadas, Folia de Reis e Moçambique, de mais de 35 municípios da redondeza, iniciando às 8 h.

Em Espírito Santo do Pinhal,  em 08/09, será exibida a peça de teatro "O Cientista da lua" com entrada franca. De 21 a 23/09, acontece o "III Pin Pin de literatura", sendo que em 21/09 às 20h30 atuará a peça "O Rio e o Avarento", também gratuita.
Fonte de apoio ao texto: Revista Renoguia , ano 13, número 75.
Fonte da imagem de Guiomar Novaes:   aqui  

29.8.12

Literatura infantil

A autora Mary França e o ilustrador Eliardo (seu esposo), me dão muita felicidade (e principalmente a meus miudos).
O governo não nos envia suas coleções; pelo menos nunca recebi (compramos os exemplares).
São livrinho premiados, ótimos para alfabetização, e inteligentes!
No endereço abaixo, há mais alguns, façam livrinhos para presentear... e  também se deliciem com esta "guerra".
É tudo igualzinho às crianças: insultam, dizem "palavrões", ficam de mal, e voltam às pazes! Vivendo assim, felizes para sempre (ou enquanto durar a infância)...
É que na infância, as duas amigdalas cerebrais fornecem dose extra de endorfinas (com cerca de 20 hormônios relacionados ao prazer).
Terminada a infância, o cérebro nos "corta a ração" extra, e o prazer já não é tão espontâneo, passamos a lutar por ele!       fonte:  aqui     





27.8.12

O ingazeiro


   

Lá pelos meus nove anos, no sítio do Vovô Eurico, próximo à divisa com Minas, uma grande novidade virou noticiário do momento!
O Nelson encontrou aquele ingazeiro do taboal, todo desgalhando em frutos. As vagens verde-amareladas, naquele alagado imenso, quase inacessível.
Os garotos, que já estavam devastando a pobre árvore, haviam  preparado uma trilha, dobrando a taboa no chão encharcado.
A estradinha suspensa parecia fofinha, contudo uma cerca de arame farpado, mais que tombada, encontrava-se pelas imediações. Todo cuidado é pouco, olha o risco de tétano!  
O danado do pé de frutos necessitava estar bem ao meinho? Desbravamos, feito formiguinhas, aquela criançada em fila no charco... enfim o paraíso.
Quão delicioso abrir as vagens fresquinhas, enroscando-se em um galho acolhedor, a degustar as sementes recobertas por aquela membrana tão branca, cândida, carnudinha e aveludada! Num tom de anil refletindo o azul celeste.
Ummm! gostinho de ingá! Fruto d`água! Nativo! E cospe caroço até a maquininha se fartar.
O ingazeiro ficou todo enfeitado de crianças cascudinhas, silenciosas, ocupadíssimas com seu ofício de sorver, sorver...
Sentíamos como flutuar num barco verde, à deriva, sem compromissos senão com o próprio deleite.
Imagem:   daqui

25.8.12

Sóror Mariana - segunda carta

  
Eis o conflito escancarado: ela tenta persuadir, perdoa, acusa, agradece, idolatra, explode, exagera. Este ímpeto amoroso violento, fanático e inflamado que tirou sua reputação e detestável tranquilidade!

"Creio que faço ao meu coração a maior das afrontas ao procurar dar-te conta, por escrito, dos meus sentimentos. Seria tão feliz se os pudesse avaliar pela violência dos teus! 
Mas não posso confiar em ti, nem posso deixar de te dizer, embora sem a força com que o sinto, que não devias maltratar-me assim, com um esquecimento que me desvaira e chega a ser uma vergonha para ti. 
É justo que suportes, ao menos, as queixas de desgraças que previ ao ver-te decidido a deixar-me. 
Reconheço que me enganei, ao pensar que procederias com mais lealdade dos que é costume: o excessos do meu amor parece que devia pôr-me acima de quaisquer suspeitas e merecer uma fidelidade que não é vulgar encontrar-se. 
Mas a tua disposição para me atraiçoar triunfou, afinal, sobre a justiça que devias a tudo quanto fiz por ti. 
Não deixaria de ser infeliz se soubesse que só ao meu amor ganharas amor, pois tudo quisera dever unicamente à tua inclinação por mim; mas estou tão longe de tal estado que já lá vão seis meses sem receber uma única carta tua. 
Só à cegueira com que me abandonei a ti posso atribuir tanta desgraça: não tinha obrigação de prever que as minhas alegrias acabariam antes do meu amor? 
Como poderia esperar que ficasses para sempre em Portugal, renunciasses à tua carreira e ao teu país para não pensares senão em mim? 
Nenhum alívio há para o meu mal, e se me lembro das minhas alegrias maior é ainda o meu desespero. Terá sido então inútil todo o meu desejo, e não voltarei a ver-te no meu quarto com o ardor e arrebatamento que me mostravas? 
Ai, que ilusão a minha! Demasiado sei eu que todas as emoções, que em mim se apoderavam da cabeça e do coração, eram em ti despertadas unicamente por certos prazeres e, como eles, depressa se extinguiam.  
Precisava, nesses deliciosos instantes, chamar a razão em meu auxílio para moderar o funesto excesso da minha felicidade e me levar a pressentir tudo quanto sofro presentemente. 
Mas de tal modo me entregava a ti, que era impossível pensar no que pudesse vir envenenar a minha alegria e impedir de me abandonar inteiramente às provas ardentes da tua paixão. 
Ao teu lado era demasiado feliz para poder imaginar que um dia te encontrarias longe de mim. E, contudo, lembro-me de te haver dito algumas vezes que farias de mim uma desgraçada; mas tais temores depressa se desvaneciam, e com alegria tos sacrificava para me entregar ao encanto, e à falsidade!, dos teus juramentos. 
Sei bem qual é o remédio para o meu mal, e depressa me livraria dele se deixasse de te amar. Ai, mas que remédio... Não; prefiro sofrer ainda mais do que esquecer-te. E depende isso de mim? 
Não posso censurar-me ter desejado um só instante deixar de te querer. És tu mais digno de piedade do que eu, pois vale mais sofrer corno sofro do que ter os fáceis prazeres que te hão-de dar em França as tuas amantes. Em nada invejo a tua indiferença: fazes-me pena. 
Desafio-te a que me esqueças completamente. Orgulho-me de te haver posto em estado de já não teres, sem mim, senão prazeres imperfeitos; e sou mais feliz que tu, porque tenho mais em que me ocupar.
Nomearam-me há pouco tempo porteira deste convento. Todos os que falam comigo creem que estou doida, não sei que lhes respondo, e é preciso que as freiras sejam tão insensatas como eu para me julgarem capaz seja do que for. 
Ah, como eu invejo a sorte do Manuel e do Francisco! Porque não estou eu sempre ao pé de ti, como eles? Teria ido contigo e servir-te-ia certamente com mais dedicação. 
Nada desejo no mundo senão ver-te. Lembra-te ao menos de mim. Bastar-me-ia que me lembrasses, mas eu nem disso tenho a certeza. 
Quando te via todos os dias não cingia as minhas esperanças à tua lembrança mas tens-me ensinado a submeter-me a tudo quanto te apetece. 
Apesar disso, não estou arrependida de te haver adorado. Ainda bem que me seduziste. A crueldade da tua ausência, talvez eterna, em nada diminuiu a exaltação do meu amor.
Quero que toda a gente o saiba, não faço disso nenhum segredo; estou encantada por ter feito tudo quanto fiz por ti, contra toda a espécie de conveniências. 
E já que comecei, a minha honra e a minha religião hão-de consistir só em amar-te perdidamente toda a vida. Não te digo estas coisas para te obrigar a escrever-me. 
Ah, nada faças contrafeito! De ti só quero o que te vier do coração, e recuso todas as provas de amor que tu próprio te possas dispensar. 
Com prazer te desculparei, se te for agradável não te dares ao trabalho de me escrever; sinto uma profunda disposição para te perdoar seja o que for. 
Um oficial francês, caridosamente, falou-me de ti esta manhã durante mais de três horas. Disse-me que em França fora feita a paz. Se assim é, não poderias vir ver-me e levar-me para França contigo? 
Mas não o mereço. Faz o que quiseres: o meu amor já não depende da maneira como tu me tratares. Desde que partiste nunca mais tive saúde, e todo o meu prazer consiste em repetir o teu nome mil vezes ao dia.  
Algumas freiras, que conhecem o estado deplorável a que me reduziste, falam-me de ti com frequência. Saio o menos possível deste quarto onde vieste tanta vez, e passo o tempo a olhar o teu retrato, que amo mil vezes mais que à minha vida. 
Sinto prazer em olhá-lo, mas também me faz sofrer, sobretudo quando penso que talvez nunca mais te veja. Por que fatalidade não hei-de voltar a ver-te? Ter-me-ás deixado para sempre? 
Estou desesperada, a tua pobre Mariana já não pode mais: desfalece ao terminar esta carta. Adeus, adeus, tem pena de mim!"

Imagem:  aqui   (02/12/10). Fonte da carta:  aqui   
(Digite Sóror em "pesquisar" e terá as 5 cartas)

23.8.12

Blanche - I

*  Aqui  terá o conto completo!

Então Blanche se matrimonia aos 12 anos, na década de 1800, com Scott, de 15. Um enlacezinho arranjado, como costumeiro (porém, arranjado por ela).  Pois a garota é apaixonada, desde seus 11 anos, por Eric, e o admira torrencialmente todos os domingos matinais, da escadaria da capela.
Ela suspirava baixinho, procurava deslocar-se o mais próximo possível, para tocar em suas vestimentas; e quando ele ajeitava o chapéu... era o ajustar de um príncipe tardio!
Sua voz grave, e esgaseado olhar confiante, aqueles fios grisalhos escapando ao surrado chapéu. Seu odor brigando com as flores... Blanche quase desfalecia  ali em segredo. 
Sonho realizado, passa a viver desvencilhadamente na cabana, ao topo da montanha, para ocupar-se do rebanho de caprinos da incipiente família. Local onde somente o vento corre apressado.
A imensa e risonha estância  abaixo, finda onde a vista alcança, pelo lado sul. Tudo havia sido adquirido ao "bate estaca", em terras devolutas, pelo avô paterno de Scott, sem nunca chorar dinheiro.
A cada semana, um ente familiar, costumeiramente, realiza rodízio para auxiliá-la com o trabalho masculino, pernoitando na antiga edícula em anexo. Seu olhar, raspando o cume da porteira, sempre aguarda.
Peter, o primogênito, é odioso, estaladiço e reclamão, porém o mais eficiente. Em sua etapa de rodízio, as cercas são consertadas, alimentos plantados, animais melhor cuidados. Sua birra por estar ali fica escancarada, e Blanche mantém uma distância inteligente.
Na semana de seu "esposo", troglodita que é, necessita ser  pajeado com as mínimas coordenadas. Scott, corpulento e atarracado, faz-se numa montanha de músculos, contudo de raciocínio deficitário (para os tempos atuais seria considerado deficiente intelectual). 
Nick, o irmão do meio, todo dado às artes, instrumentos musicais, canto! No trabalho, segue lento e minucioso, perfeccionista. Passou a ser o amigo e confidente daquela alminha adolescente. Mastiga o cantinho do beiço sempre que pensativo, com um fiozinho de língua à mostra.
Tom, o empregado fiel, ali desde infante, quase adotado por todos. Distante, pardo, fechado, magérrimo, evasivo, ligeiro. Seus pensamentos são tão miudinhos que somente ele próprio os lê. Jamais se viu lágrima pratear-lhe a cara em regatozinho.
Eric, o arco iris, tira Blanche da Terra, sua fascinação por ele cresce conforme ela mesma também se desenvolve. E agora ali, tão quase palpável, ele dirige-se patriarcalmente a ela, flutuando feito a neblina de branco sem fim.
Suas mãos calejadas, fortes e protetoras, enlevadas na ação do tempo, não demonstram à garota a realidade palpável. Seu mundo é o que ela construíra, a realidade nada imporia àquele coração de galope atropelado. 
A cada cinco semanas, o horizonte se descortina, sua emoção se esbrange à faceira pradaria, e quase num sexto sentido, Eric passa a sentir-se mais atraído pela montanha dos caprinos, pincelado em imaturidade extemporânea.
Tão contagiante a paixão da menina, que ao ser expelida pelos órgãos sensoriais, Eric já não mais vê nela uma criança, e com rápida sofreguidão, apaga, banha, raspa aquele lapso de erótico pensamento mundano.
Suspirante qual um fole, no coração em tropel, Blanche se vê aplacada pelo olhar cobiçoso, pedinte a que Eric lhe arrasta sorrateiramente a cada peneirado transpasse.

21.8.12

Helicóptero


O "bichão" quase a tocar o solo, lá adiante, no campo, todo prata! 


Vez por outra, algumas destas maravilhosas máquinas pousam no campo de futebol aqui abaixo.
São realmente esplêndidas: chegam sobre o campo, ficam em círculos e passam a descer verticalmente.
Em segundos, estão aterradas. As hélices giram cada vez menos, a porta se abre, e não saem seres fantásticos.
Nesta de ontem, quatro passageiros desembarcaram, percorreram as arquibancadas morro acima,  e ganharam a via lateral que leva à rua.
A aeronave permaneceu estacionada por cerca de duas horas e meia, então ligou os motores, e na mesma encantez com que veio, foi-se!   
Torna-se impressionante o fato de ela estar cá, e num outro segundo, estar lá; e no terceiro, some no horizonte sul.
Não dá para se ver, contudo na sombra à esquerda, atrás dos holofotes, uma classe toda de criancinhas da creche (que há ali), encontra-se em êxtase, pulando! Todos de camisetinhas brancas...

19.8.12

Rosquinhas

 Dois Kg de farinha.
Quatro ovos.
Cerca de 60 gr. de fermento biológico úmido, ou três pacotinhos deste seco.
Cerca de 350 gr. de frutas cristalizadas.
Uma colher (sopa) rasa de sal.
Dez colheres (sopa) bem cheias de açúcar.
Dois copos americanos p de leite integral.
Um copo americano p de óleo.



Uma jarra com água morninha para ir acertando o ponto da massa.


Coloque tudo numa bacia grande, exceto a água e parte da farinha (deixe 1/4 para colocar aos poucos).  
Amasse por dez minutos e acerte a textura da      massa, quando tiver uniforme, tampe com uma toalha e deixe dobrar de tamanho.
Então, amasse novamente, separe em pedacinhos e modele as rosquinha a critério.



Deixe dobrar novamente de tamanho e asse em forno forte.
Rendeu 29 unidades: para colegas de trabalho, familiares, e congelar uma parte. 

18.8.12

Céu piramidal


Foi então que a estrutura de idéias foi se formando, e todos acordaram que o garoto deveria estar no melhor dos céus.

Considerando pouco, ele simplesmente ter ido para o céu, alguém lembrou que há mais de um.Após ler "O negrinho do Pastoreio" para os miúdos, houve um lindo debate sobre onde ele foi morar com sua madrinha (a Mãe de Jesus), após seu suplício no formigueiro.
Após devaneios e desenhos à lousa, concluímos que se há sete céus, possivelmente o melhor está acima dos outros, como no topo de uma pirâmide!
Ficou mais ou menos assim: o primeiro céu, no alicerce piramidal, seria a favela do céu, para o povão, aos comuns. A ideia de favela eles têm pela TV, em nossa cidade (e nas vizinhas) nunca houve uma.
No segundo degrau, os predinhos populares. Eles conhecem e consideram piores que casas térreas, pois não há quintais para brincar.
Casinhas populares no terceiro degrau do céu, o sonho de vários deles, que inclusive estão na lista de espera (no bairro da Escola não há casas populares).
Quarto degrau: casinhas de fundos, como as de vários deles, que moram no quintal de parentes, contudo são bem aconchegados lá.
Quinto degrau: casas de quatro cômodos sozinhas no terreno, e com bastante espaço. Novas, bem pintadas, com carro na garagem (vários as tem).
Casas com suíte no sexto pavimento, com carro para o pai e outro para a mãe, e moto também, e indispensavelmente, uma piscininha no quintal!
No sétimo céu, há um hotel cinco estrelas, maravilhoso e delicioso, é lá que mora o negrinho, acolhido por sua "Dinda"... 
Como tudo vai se afunilando, poucos conseguirão vaga nos locais mais privilegiados...o raciocínio lógico das crianças, mesmo sendo peculiar, por vezes é mais lógico que o nosso próprio. 
Imagem:   esta    

17.8.12

Sóror Mariana - primeira carta


Mariana Alcoforado não é comprovadamente a autora de tão maravilhosas cartas, todavia custa deixar estar? 
Esta primeira epístola, ainda transbordante de esperanças, aguarda o resgate pelo Francês...
"Considera, meu amor, a que ponto chegou a tua imprevidência. Desgraçado!, foste enganado e enganaste-me com falsas esperanças. Uma paixão de que esperaste tanto prazer não é agora mais que desespero mortal, só comparável à crueldade da ausência que o causa. Há-de então este afastamento, para o qual a minha dor, por mais subtil que seja, não encontrou nome bastante lamentável, privar-me para sempre de me debruçar nuns olhos onde já vi tanto amor, que despertavam em mim emoções que me enchiam de alegria, que bastavam para meu contentamento e valiam, enfim, tudo quanto há? Ai!, os meus estão privados da única luz que os alumiava, só lágrimas lhes restam, e chorar é o único uso que faço deles, desde que soube que te havias decidido a um afastamento tão insuportável que me matará em pouco tempo.
Parece-me, no entanto, que até ao sofrimento, de que és a única causa, já vou tendo afeição. Mal te vi a minha vida foi tua, e chego a ter prazer em sacrificar-ta. Mil vezes ao dia os meus suspiros vão ao teu encontro, procuram-te por toda a parte e, em troca de tanto desassossego, só me trazem sinais da minha má fortuna, que cruelmente não me consente qualquer engano e me diz a todo o momento: Cessa, pobre Mariana, cessa de te mortificar em vão, e de procurar um amante que não voltarás a ver, que atravessou mares para te fugir, que está em França rodeado de prazeres, que não pensa um só instante nas tuas mágoas, que dispensa todo este arrebatamento e nem sequer sabe agradecer-to. Mas não, não me resolvo, a pensar tão mal de ti e estou por demais empenhada em te justificar. Nem quero imaginar que me esqueceste. Não sou já bem desgraçada sem o tormento de falsas suspeitas? E porque hei-de eu procurar esquecer todo o desvelo com que me manifestavas o teu amor? Tão deslumbrada fiquei com os teus cuidados, que bem ingrata seria se não te quisesse com desvario igual ao que me levava a minha paixão, quando me davas provas da tua.
Como é possível que a lembrança de momentos tão belos se tenha tornado tão cruel? E que, contra a sua natureza, sirva agora só para me torturar o coração? Ai!, a tua última carta reduziu-o a um estado bem singular: bateu de tal forma que parecia querer fugir-me para te ir procurar. Fiquei tão prostrada de comoção que durante mais de três horas todos os meus sentidos me abandonaram: recusava uma vida que tenho de perder por ti, já que para ti a não posso guardar. Enfim, voltei, contra vontade, a ver a luz: agradava-me sentir que morria de amor, e, além do mais, era um alívio não voltar a ser posta em frente do meu coração despedaçado pela dor da tua ausência.
Depois deste acidente tenho padecido muito, mas como poderei deixar de sofrer enquanto não te vir? Suporto contudo o meu mal sem me queixar, porque me vem de ti. É então isto que me dás em troca de tanto amor? Mas não importa, estou resolvida a adorar-te toda a vida e a não ver seja quem for, e asseguro-te que seria melhor para ti não amares mais ninguém. Poderias contentar te com uma paixão menos ardente que a minha? Talvez encontrasses mais beleza (houve um tempo, no entanto, em que me dizias que eu era muito bonita), mas não encontrarias nunca tanto amor, e tudo o mais não é nada.
Não enchas as tuas cartas de coisas inúteis, nem me voltes a pedir que me lembre de ti. Eu não te posso esquecer, e não esqueço também a esperança que me deste de vires passar algum tempo comigo. Ai!, porque não queres passar a vida inteira ao pé de mim? Se me fosse possível sair deste malfadado convento, não esperaria em Portugal pelo cumprimento da tua promessa: iria eu, sem guardar nenhuma conveniência, procurar-te, e seguir te, e amar-te em toda a parte. Não me atrevo a acreditar que isso possa acontecer; tal esperança por certo me daria algum consolo, mas não quero alimentá-la, pois só à minha dor me devo entregar. Porém, quando meu irmão me permitiu que te escrevesse, confesso que surpreendi em mim um alvoroço de alegria, que suspendeu por momentos o desespero em que vivo. Suplico-te que me digas porque teimaste em me desvairar assim, sabendo, como sabias, que terminavas por me abandonar? Porque te empenhaste tanto em me desgraçar? Porque não me deixaste em sossego no meu convento? Em que é que te ofendi? Mas perdoa-me; não te culpo de nada. Não me encontro em estado de pensar em vingança, e acuso somente o rigor do meu destino. Ao separar-nos, julgo que nos fez o mais temível dos males, embora não possa afastar o meu coração do teu; o amor, bem mais forte, uniu-os para toda a vida. E tu, se tens algum interesse por mim, escreve-me amiúde. Bem mereço o cuidado de me falares do teu coração e da tua vida; e sobretudo vem ver-me.
Adeus. Não posso separar-me deste papel que irá ter às tuas mãos. Quem me dera a mesma sorte! Ai, que loucura a minha! Sei bem que isso não é possível! Adeus; não posso mais. Adeus. Ama-me sempre, e faz-me sofrer mais ainda."
Fonte:  aqui  foto: wikipédia
(Digite Sóror em "pesquisar" e terá as 5 cartas).

12.8.12

Torneira elétrica

Pedi de aniversário ao Esposo. Adorei!!! Por que não pedi isso antes? A outra é bem mais bonita, contudo a elétrica expele aquela aguinha morna...
Confesso que considero o preço absurdo por esta pelotinha pontuda. Julgava ser pouco mais caro que um chuveiro da mesma marca. 
Olhando o designer, toda em plástico, não botei fé antes da montagem. Espero que seja tão durável quanto os chuveiros da empresa. 
Ao acordarmos, às cinco, Esposo foi fazer café e ouvi-o mexendo nela. Levadinho! Já pegou a água quentinha para adiantar a fervura.
Ao sairmos quase seis horas para caminhar, a lua estava fininha como uma harpa, e pajeando diversas estrelinhas à volta. Andamos, andamos, e ao voltarmos, sobre a passarela, observamos e clarão do sol, teimando em brincar de esconde-esconde.
Desistimos deste preguiçoso por hoje. Já prá casa lavar a louça do café na torneira nova!

11.8.12

Só você escolheu o pai do seu filho...

Amanhã, dia dos pais. A menos que tenha sido estuprada, ou tenha se casado forçada, o homem que hoje é pai de seu filho, um dia já foi o melhor homem do mundo (para você).
Falo em nome de alunos meus, desses anos todos com crianças, ouvindo desabafos nas rodas de conversa, cujas mães fazem jogo.
É difícil para a criança, entrar nesta manobra cruel. Umas não deixam visitar, outras falam mal abertamente, forçam chamar o novo companheiro de pai, e outras coisas; contudo, tomem cuidado: agora há lei contra isto... pense conscientemente no título do post...
Ao pegarmos um ônibus errado (na vida), teremos que pagar a passagem. A criança não pode ser esta moeda, pois na adolescência ela terá raciocínio lógico suficiente para analisar os fatos. 
Mudando este assunto pesado, parabéns a meu Esposo e todos os outros pais! A um ano e meio o meu se foi, todavia fez o melhor que pode enquanto conosco esteve. Uma característica maravilhosa dele era evitar certos comentários, ser discreto e comedido em muitos quesitos.
Em 2010 passeamos bastante com ele, estava tristinho... creio que já era confusão mental, embora seu geriatra dizia ser depressão de idoso (diferente da nossa). Fisicamente, ficou pouquinhos dias doente. Teve duas hospitalizações na vida: a primeira quando moço ( apendicite), e a segunda na manhãzinha da data de seu falecimento.
Janeiro/ 2010, Clube de Campo: RADIANTE!





Julho/ 2010, em minha residência: sentado quietinho, cabisbaixo, isolado...  

9.8.12

Rotina

Vou contar o meu dia, num dia de "semana": bom, acordo às cinco, como o esposo (isso vale para praticamente todos os dias - domingos, feriados). Ele pula rapidinho, enquanto aguardo uns minutos.
Ajeitar cama, usar o banheiro, me trocar; em vinte minutos, na cozinha. Antes porém, meu cérebro se delicia com o aroma daquele primeiro golezinho da água fervente batendo ao pó de café: trata-se de esposo prendado (isto é tudo que ele faz)!
Golin de café, ingredientes para o almoço, alho refogando, louça lavando, arroz com cenoura de micro-ondas! Deixar salada lavada sobre a mesa, tem carne pronta congelada? Então vai ovos cozidos...Apurar o feijão que deixei degelando desde a noite passada.
Quase 6 h 30 m! Esposo requer uma banana (nanica), um pedaço de abacate (puro), uma fatia de pão integral com margarina ou queijo branco, meio copinho de leite quente semidesnatado. O café já foi com ele... pois entra às 6 h na oficina (aqui ao lado).
Feira às terças-feiras, varridinha às quartas, mais "misturas" no almoço da quinta, roupa na máquina de sexta. Segunda é mais calmo e chego mais cedo à empresa.
Hoje tem lixeiro? Então fecho a casa e desço, ajeito algo na firma, um olho na net, curso de pós à distância, preparação de aula da semana seguinte (aos poucos). 
6 h 45 m! Subir na moto rumo à escola. 6 h 50 m: assinar ponto, arrumar a sala, formar as duplas de trabalho. Bate sinal 7 h e estoura a "boiada"! Fim do sossego...
Agito total até 9 h 30  m. Alimentação dirigida - "empurra" para o recreio! Xixi e uns 15 minutos para preparar o segundo e PIOR tempo. 
Das 10 h às 11 h 30 m, o agito vira conflito (é quando a hora não passa e por vezes dá medo de perder as rédeas). Bagunça no "rabinho" da fila de saída. Também, 28 crianças (um "depósito")! Dez minutos para entregar a turminha, momento de muita concentração, difícil.
Volta à sala até meio dia, corrigir cadernos ou livros, em cinco minutos estou na firma. Pausa na net para abrandar  os ânimos e para a cabeça se acalmar. Subir em casa, almoço, troca de roupas, água com limão (cavalo) ao esposo, maçã para ele, banana  ou goiaba para mim (para o lanche). Na firma até 18 h.
Atender clientes e telefonemas, cuidar do escritório, ajudar na produção, dar uma limpadinha, pagar contas, fazer cobrança duas vezes na semana, adiantar minhas coisas no computador durante as folguinhas!
Enfim no lar! Pegar na geladeira, tudo que restou do almoço. O principal é o pratão do filho. Eu e esposo nos viramos com qualquer coisinha, caso não haja sobra. Ajeitadinha rápida na pia, banho e aqui até 9 h ou mais. Soninho até amanhã às cinco, quando tudo recomeça.

Uma garotinha...

Tenho uma aluninha (sete anos) daquelas um pouco acima do peso, que dá vontade de morder... parece uma plastinha de chicletes! É inteligentíssima, contudo meio dispersa.
Adora animais: naturais, de brinquedo, nas histórias... se arrasta como eles pelo chão, vive aos pulos, e é o que ela traz no lugar das bonecas;  bicho.
Não é que um dia ela me aparece com uma boneca de verdade! As outras foram conhecer. Perguntei o nome. Sem nome; a turma insistiu. Maria.
Mas só Maria? Pouco demais... então acabou escolhendo Maria Aparecida, a classe achou estranho prá uma boneca atual, porém, concordaram. Nunca mais apareceu na aula com a tal Aparecida.  
Num diálogo com um colega "altas habilidades": ele, irritado disse querer morar em Vênus. Não, retrucou ela, vá para Marte! Tá doida, quer que eu morra? Lá há bactérias...
Hoje toda preocupada, me perguntou porque, ao mexer no computador da tia, o mesmo dizia: "as definições de vírus foram atualizadas". Expliquei, ficou calma. Estava com medo de ter apertado algo, pois já aconteceu e ficou de castigo.
Lição? Faz alguma coisa, o resto é pela metade, acho que adora morar em Vênus, por isso não queria o outro como inquilino. 
Minha faxineira aos sábados, é sua babá todas as tardes da semana, eu dei a dica. Ontem ela me contou que foi assistir a moça cantar na igreja. Tem a voz maravilhosa, e minha garotinha sentiu orgulho da babá tão prendada e especial: "ajuda minha professora, faz solo na igreja, estuda de manhã e ainda cuida de mim!"   

7.8.12

Na roça



 Banana nanica
Cerca de vinte e quatro horas, uma vez ao mês, lá no mato, é o melhor remédio para o desligamento do mundo urbano. Vai-se no sábado à tarde, carregando a animação, para dormir. Volta-se domingo à tarde, revigorado..
Abrindo toda a casa, lavar meu quartinho, ajeitar lá dentro, andar pelo terreiro e chupar muita jabuticaba, difícil escolher qual pé dentre tantos...um porquinho a meus pés, comendo as cascas e caroços, uma pançona...será que não encalhará?
Estamos na estação seca, agosto! Encontramos limão, banana, macaúba, jatobá, abacates, coquinhos, jabuticaba, algumas nêsperas, castanhas de coquinhos.
Após sopão e sanduíches, dormir sem TV, na escuridão da noite, amenizada por tantas estrelinhas e pela lua ainda meio cheia. Contudo um véu de nuvenzinhas esfiapadas, esfarela-se por toda a abóbada celeste!
Acordar antes do dia, aguardar a galinhada desempoleirar, ver as estrelas se apagarem lentamente, notar o primeiro clarão no horizonte leste, a lua tirando a camisola dourada e colocando o vestido branco... 
Um café da manhã simples e delicioso (margoso). Limpar o jardim, pois a Vó, com 90, sabe mandar que é uma coisa... lavar a cortina da cozinha, as toalhinhas de crochê.
Uma voltinha antes de preparar o almoço, senão ela inventa mais serviço. À tarde, mais voltinha nas imediações. Comprar queijo na Minda, café da tarde, juntar as tralhas! Prá que tanta tralha? Estradinha afora, o percurso é tão bom quanto a estada na roça em si. Já há saudade e preparação para a próxima.
Arrebol...
 Restin do café!

Banana prata

Jabuticaba

O espose fez de garagem...
Paella



6.8.12

Vaca Atolada

Pensou na receita de carne com mandioca? Infelizmente é algo muito mais cruel e macabro. Ontem, no sítio, quando fomos ao corguinho  riacho da propriedade vizinha, passamos a sentir cheiro de carniça.
Não foi necessário procurar muito para encontrar a causo do odor: uma vaca morta num brejo. A pata traseira sobre a qual ela estava caída não dava para se ver, porém a da esquerda, estava atolada até a coxa.
Pelos cálculos de um membro da equipe, ela estava morta a duas semanas. Os urubus não se encontravam mais lá. As pedras por perto da cena estavam caiadas de cocô deles.
Os carniceiros não se deram ao trabalho de rasgar o espesso couro, percorreram pelas entranhas do animal morto, consumindo-lhe por dentro e deixando-a praticamente oca. 
Como o proprietário (que conhecemos) não deu por sua falta e veio em seu salvamento? O berro de uma vaca em desespero é diferente! Ela provavelmente passou três a quatro dias em agonia, vindo a morrer de fome, exaustão e insolação. Ficamos perplexos...
  Imagem: Google Imagens.

Jatobá

Não posso dizer que esta fruta seja deliciosa. Aliás, posso sim! Pois para mim, é! Adoro jatobá... desde seu formato, sua coloração, seu aroma, seus caroços, sua rusticidade e durabilidade, seu sabor exótico.
Aquele pozinho cor de cocô de bebê, grudando pela boca, e com cheirinho de chulé, não agrada muita gente (nem muitos animais), todavia comigo é diferente.
Ontem subimos ao pasto do "Tio Nízio" para procurar as frutonas. O exuberante jatobazeiro estava atapetado de frutos pelo chão, e prontinho para a frutificação seguinte.
Então foi só catar recolher alguns, atirá-los numa pedra para que abrissem (à custa de boa força). Só outro membro da equipe também gosta (contudo apenas experimentou).
É riquíssimo em ferro e serve também para confecção de doces. Seu tronco fornece madeira nobre, é natural da Mata Atlântica, e também ocorre na Amazônia. Cuidado para não engasgar, é seco demais!
Eu comi dois frutos e trouxe mais quatro para casa. O sabor de infância é inconfundível, a gente se nutre de "farinha esverdeada" e de lembranças, pois fui criada "embaixo" de um majestoso pé de jatobá.
Me lembro de quando surge a floração, e dos inúmeros "fetinhos" da fruta abortados, todos forrando o "terreiro", dava um trabalhão para varrer!
Os jatobás verdes são molinhos, então vão adquirindo um tom de marrom e suas cascas ficam duras feito madeira. Um mistério da natureza tamanha perfeição de embalagem.
Suas folhas são arredondadas, repartidas ao meio e de um brilho intenso, quase surge um coração. Na galhada, fazíamos balanço de cipó. Um dia arrebentou morro abaixo, e lá se vai alguém para cima de muitas folhagens (sorte)!
Os grandes e escuros caroços são fortes e servem a diversos brinquedos, basta utilizar a imaginação. Quando brotam, são de um vigor e fortidão que facilmente dão lugar a outra planta. Pela redondeza, os animais plantam jatobazeiros com seus ânus (se é que me entendem)...


Imagens: Google imagens.

4.8.12

Rabeira de caminhão

Entrei na escola rural aos seis anos e meio, e minha prima Ana estava no 2º ano, pois era "repetente". Ela sempre foi meio "loucadinha", a mais levada dos 13 filhos do Tio; inventava cada doideira...
Os caminhões daquela época eram pequenos, todavia perigosos. Quando estávamos na longa estradinha, ouvimos ao alto da serra, o som de um veículo descendo. A garota, teve a ideia de pegar rabeira...
Ao nos ultrapassar, "voamos" no para-choques, mais para o meio, ficando invisíveis ao retrovisor. Aos poucos, ele embalou e aquele "ferro" passou a se balançar conosco. 
Quando minhas mãozinhas passaram a arder, olhei ao lado e cadê a Ana? A vi lá atrás, parada na curva, morrendo de rir (de mim). Me senti traída e tentei descer, contudo o velocidade passou a ser muito maior. 
Bem em frente à casa do Rodolfo, era plano e foi minha chance, pois dali em diante, somente morro abaixo. Como estava bem no "meinho" da estrada, as pedrinha são jogadas pelas paralelas das rodas, formando aquele vergão.
Me soltei e não consegui cair em pé. Deslisei pelo vergão de pedriscos e me ralei toda. Tenho estas imagens tão vívidas, como se fossem a alguns dias! A danadinha da prima, desceu correndo até mim e ficou assustada com meus ralados.

Por termos ganhado tempo, chegamos à escola ainda com a professora da manhã. Fiquei escondida dentro de uma das "manilhas" que sobraram da construção do asfalto. A timidez era muito maior que a dor com ardência... imagine os alunos "grandes" me verem assim!
Ana foi para dentro da escola e trouxe a professora com violeta genciana. Fiquei malhada de roxo, sorte que não havia espelho! 
No final da tarde, houve um temporal tenebroso, fechando o verão. Eram raios por todo lado, sorte que ainda estávamos abrigados na escola, sob a tutela da Dona Iolanda... muitas vezes éramos apanhados em meio ao caminho.
Depois ficamos todos sabendo que um morador daquela fazenda, nascido e criado ali, agora casado e pai de dois menininhos, morreu apanhado por um raio enquanto roçava pasto. 
Imagem:      

1.8.12

A turma do "Tio Lia"

Ele e a Tia Maria tiveram treze filhos, e todos criaram (além de dois abortos espontâneos). Foram nove garotas e quatro garotos. Destes, apenas duas meninas não se casaram. Nem sei quantos bisnetos há; e netos, se não me confundi, são nove dos homens e dezesseis das mulheres.
Um dos filhos já faleceu. Foi atropelado com cerca de 53 anos. O Tio desenvolveu demência e só se lembra do início da infância. A Tia está em tratamento contra câncer de pele, perto da boca. Ambos contam com mais de oitenta anos.
O casal foi feirante durante mais de trinta anos. Acordavam às três da manhã para carregar a perua e seguir para o local da feira, que é itinerante. Antes disso, a vida era só no sítio do Vovô, iam os dois para a roça antes do habitual, e voltavam após as outras pessoas.
Me lembro dela fazendo a janta: arroz, feijão que as meninas coziam por horas sem pressão, polenta (que era sagrada), algum legume ou verdura de mistura (chuchu, couve refogada). Para o Tio e os dois meninos maiores que lidavam na roça o dia todo, tinha um ovo caipira frito. Só para eles. 
Me lembro que havia uma horta, logo abaixo da porta da sala, no buracão. Não era vigorosa ou bem cuidada, mas ajudava no cardápio escasso.
A comida era repartida em pratos para os maiores e latinhas de marmelada para os pequenos. Após tudo dividido, cada um ganhava sua porção. Se os do meio ainda sentissem fome, pediam emprestado uma "cuiadinha" (colherada) aos menores para pagar amanhã (nunca pagavam).
Aos domingos se matava um franguinho caipira para o almoço, nem pense no tamanho dos frangos do mercado, eram um terço do tamanho deles. Cada um ganhava seu quinhão: um pé, a cabeça, a pontinha da ponta da asa, e sempre os melhores pedaços aos que trabalhavam! 
Era uma união, um casal harmônico, para a Tia sempre tudo estava bom! Nunca os vi espancando um filho...a criançada se satisfazia e se felicitava com tão pouco.
Havia umas pedronas logo à porta da cozinha, era um local encantador! A bica ficava a uns cinquenta metros da casa, ao lado da capoeira. Além dos quatro cômodos habituais, foi feito um puxado, no tamanho de dois cômodos, em chão de terra, onde dormiam todas as meninas.
As mais velhas já moravam nas cidades, trabalhando de "empregadas", viviam nas casas das patroas. Em alguns domingos, vinham ver a família, após descer do ônibus no asfalto, e subir dois quilômetros, descer mais um, chegavam alegremente, embora em sol escaldante.
As colheitas eram de feijão, milho e sobretudo café. O dinheiro era raríssimo, só mesmo uma vez por ano, quando se vendia a safra de café, se o preço estivesse bom. 
No dia de natal, o Tio vinha com um saco às costas, nos mesmos três quilômetros, com guaranás caçulinha. O saco era colocado no corguinho (córrego) para gelar. Um furinho a prego era feito em cada garrafinha, e se lambia lentamente aquele maravilhoso líquido, para que demorasse a acabar!